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Cemitério da Infância
Joaquim Cardozo
Semana da criança, 1953
No cemitério da Infância
Era manhã quando entrei,
Das plantas que vi florindo
De tantas me deslumbrei...
Era manhã reluzindo
Quando ao meu país cheguei,
Dos rostos que vi sorrindo
De poucos me lembrarei.
Vinha de largas distâncias
No meu cavalo veloz,
Pela noite, sobre a noite,
Na pesquisa de arrebóis;
E ouvia, sinistramente,
Longínqua, esquecida voz...
Galos cantavam, cantavam.
Auroras de girassóis.
Por esses aléns de serras,
Pelas léguas de verão,
Quantos passos repetidos
Trilhados no mesmo chão;
Pelas margens das estradas:
Rosário, cruz, coração...
Mulheres rezando as lágrimas,
Passando as gotas na mão.
Aqui caíram as asas
Dos anjos. Rudes caminhos
Adornam covas pequenas
De urtiga branca e de espinhos;
Mais perto cheguei meus passos,
Mais e demais, de mansinho:
As almas do chão revoaram:
Um bando de passarinhos.
Oh! aflições pequeninas
Em corações de brinquedos;
Em sono se desfolharam
Tuas roseiras de medo...
Teus choros trazem relentos:
Ternuras de manhã cedo;
Oh! Cemitério da Infância
Abre a luz do teu segredo.
Carne, cinza, terra, adubo
Guardam mistérios mortais;
Meninos, depois adultos:
Os grandes canaviais...
Crescem bagas nos arbustos,
Como riquezas reais,
Pasta o gado nas planuras
Dos vastos campos gerais.
Joaquim Maria Moreira Cardozo nasceu em Recife (PE), no ano de
1897, e faleceu em Olinda, naquele estado, em 1978. Antes mesmo de se formar em engenharia
civil, em 1930, colaborava com a Revista do Norte, daquela cidade. Manuel Bandeira, em
1946, organizou a Antologia de Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos, da qual
constaram oito poemas de Cardozo. Seu primeiro livro, Poemas, foi publicado
em 1947 por iniciativa de João Cabral de Melo Neto. Calculista do arquiteto Oscar
Niemeyer, participou da construção de Brasília, além de outras obras de grande porte
no país, sem que isso o afastasse das literatura, onde continuou atuando como tradutor e
crítico de arte.
Outras obras:
Signo estrelado - 1960
Poesias Completas - 1971
Os Anjos e os Demônios de Deus - 1973
O Interior da Matéria - 1975
O Capataz de Salema. Antônio Conselheiro. Marechal, Boi de Carro - 1975.
Um livro aceso e nove canções sombrias - 1981
O poema acima foi extraído do livro Signo estrelado,
Editora Civilização Brasileira, 1979, pág. 78.
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