No começo da carreira, quando tentava de todas as maneiras absorver
o máximo possível de tudo aquilo que julgava que um jornalista
deveria saber --senso de discernimento, curiosidade, teimosia,
espírito crítico, escrúpulo, respeito, humildade e sobretudo
capacidade de respeitar a língua e por intermédio dela transmitir
idéias--, tive o privilégio de conviver com um gênio do vernáculo.
Ele era copidesque --aquele que dá a forma final ao texto
jornalístico-- dos então famosos editoriais do jornal "O Estado de
S. Paulo", famosos principalmente por conta da linguagem erudita e
da forma apuradíssima. Pois bem, Mário Leônidas Casanova era o
responsável pela precisão e erudição daquele pedaço nobre do jornal.
E, num tempo em que começava a germinar a transição da máquina de
escrever para o computador, ele perpetrava seus textos com uma
magnífica caneta Parker. Tinteiro, obviamente.
O homem era uma coisa. "Casanova, a palavra àquele leva crase",
perguntava eu com a ignorância e impertinência típica dos focas
(jornalistas em começo de carreira). "A crase é muito mais que uma
manchinha sobre a letra a", dizia ele, antes de me mandar sentar e
pespegar uma aula completa sobre esse acento que pouca gente sabe
colocar no lugar certo (eu arrisco dizer que aprendi a usá-lo
naquela época...).
Mas uma das máximas do Casanova era: "Meu filho, lauda em branco
aceita tudo". Dizia isso para condenar a quantidade de sandices que
se escreviam, e que certamente se escrevem até hoje, seja lá qual
for a intenção.
Mas por que pensar agora no velho e generoso Casanova, que era, além
de tudo, um conhecedor profundo do chorinho, esse gênero musical tão
maravilhoso quanto relegado a um injusto esquecimento no cenário da
música deste país?
Porque recebi de uma amiga uma lista de máximas sobre a escrita que
o faria sorrir por trás daqueles vastos bigodões, como que a
afirmar: "É o que sempre digo...".
Esta lista vai agora publicada de bate-pronto, por isso pode
eventualmente conter imprecisões, mas corro o risco porque ela é sem
dúvida muito interessante.
São descrições do ato de escrever:
"Escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com
um ponto final. No meio você coloca idéias." (Pablo Neruda)
"Escrever é, simplesmente, uma maneira de falar sem que nos
interrompam." (Sofocleto)
"É preciso escrever o mais possível como se fala e não falar demais
como se escreve." (Sainte-Beuve)
"O ato de escrever é a arte de sentar-se numa cadeira." (Sinclair
Lewis)
"Somos todos escritores. Só que uns escrevem, outros não." (José
Saramago)
"Escrever é ter coisas para dizer." (Darcy Ribeiro)
"Perdoe-me, senhora, se escrevi carta tão comprida. Não tive tempo
de fazê-la curta." (Voltaire)
"Reescrevi 30 vezes o último parágrafo de 'Adeus às Armas' antes de
me sentir satisfeito." (Ernest Hemingway)
"Uma história se conta, não se explica." (Jorge Amado)
"Escrevo para que meus amigos me amem ainda mais." (Gabriel
García-Márquez)
"Quem não lê não escreve." (Wander Soares)
"Cada um escreve do jeito que respira. Cada um tem seu estilo. Devo
minha literatura à asma." (Fabrício Carpinejar)
"Escrever é um ato de liberdade." (Martin Amis)
"Escrever é uma forma de a voz sobreviver à pessoa." (Margaret
Atwood)
"De escrever para marmanjos já me enjoei. Bichos sem graça. Mas para
crianças um livro é todo um mundo." (Monteiro Lobato)
"Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer é porque um
dos dois é burro." (Mário Quintana)
"Existem três regras para escrever ficção. Infelizmente ninguém sabe
quais são elas." (W. Somerset Maugham)
"O autor escreve apenas metade de um livro. A outra metade fica por
conta do leitor." (Joseph Conrad)
"Corrigir uma página é fácil, mas escrevê-la, ah, amigo! Isso é
difícil." (Jorge Luis Borges)
"Escrever não é fácil ou difícil, mas possível ou impossível."
(Camilo José Cela)
"Escrever é deixar uma marca. É impor ao papel em branco um sinal
permanente, é capturar um instante em forma de palavra." (Margaret
Atwood)
"Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a
minha própria vida." (Clarice Lispector)
"Para escrever bem é preciso uma facilidade natural e uma
dificuldade adquirida." (Joseph Joubert)
"Escrever não é nada mais senão ter o tempo de dizer: estou
morrendo." (Gaëtan Picon)
"Uns escrevem para salvar a humanidade ou incitar lutas de classes,
outros para se perpetuar nos manuais de literatura ou conquistar
posições e honrarias. Os melhores são os que escrevem pelo prazer de
escrever." (Lêdo Ivo)
"Escrever é sacudir o sentido do mundo." (Roland Barthes)
Luiz Caversan é jornalista, produtor cultural e
consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial,
diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos Cotidiano,
Ilustrada e Dinheiro, entre outros. Escreve aos sábados para a Folha
Online.
Texto publicado no portal Folha On Line em 21/10/2006, conteúdo
aberto ao público.