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Curso superior
Marcelino Freire
O meu medo é entrar na faculdade e tirar zero eu que nunca fui bom de matemática fraco
no inglês eu que nunca gostei de química geografia e português o que é que eu faço
agora hein mãe não sei.
O meu medo é o preconceito e o professor ficar me perguntando o tempo inteiro por que eu
não passei por que eu não passei por que eu não passei por que fiquei olhando aquela
loira gostosa o que é que eu faço se ela me der bola hein mãe não sei.
O meu medo é a loira gostosa ficar grávida e eu não sei como a senhora vai receber a
loira gostosa lá em casa se a senhora disse um dia que eu devia olhar bem para a minha
cara antes de chegar aqui com uma namorada hein mãe não sei.
O meu medo também é do pai da loira gostosa e da mãe da loira gostosa e do irmão da
loira gostosa no dia em que a loira gostosa me apresentar para a família como o homem da
sua vida será que é verdade será que isso é felicidade hein mãe não sei.
O meu medo é a situação piorar e eu não conseguir arranjar emprego nem de faxineiro
nem de porteiro nem de ajudante de pedreiro e o pessoal dizer que o governo já fez o que
pôde já pôde o que fez já deu a sua cota de participação hein mãe não sei.
O meu medo é que mesmo com diploma debaixo do braço andando por ai desiludido e
desempregado o policial me olhe de cara feia e eu acabe fazendo uma burrice sei lá uma
besteira será que vou ter direito a uma cela especial hein mãe não sei.
Marcelino Freire nasceu em 20 de março de 1967 na cidade de Sertânia, Sertão de
Pernambuco. Vive em São Paulo desde 1991. É autor de EraOdito (Aforismos, 2ª edição,
2002), Angu de Sangue (Contos, 2000) e BaléRalé (Contos, 2003), todos publicados pela
Ateliê Editorial. Em 2002, idealizou e editou a Coleção 5 Minutinhos, inaugurando com
ela o selo eraOdito editOra. É um dos editores da PS:SP, revista de prosa lançada em
maio de 2003, e um dos contistas em destaque nas antologias Geração 90 (2001) e Os
Transgressores (2003), publicadas pela Boitempo Editorial. Mais
informações sobre o autor em
marcelinofreire.wordpress.com
e, também, em
www.twitter.com/marcelinofreire.
Texto extraído de seu novo livro "Contos Negreiros", Editora Record - Rio de
Janeiro - 2005, pág. 97.
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