Era um piso de algodão
Eva Ibrahim Ferreira de Sousa
Ainda estava escuro quando o táxi adentrou o pátio do Aeroporto de Viracopos em
Campinas, São Paulo; levava apenas uma passageira no banco de trás. Rapidamente o
veículo parou junto á guia da plataforma de embarque e a moça abriu a porta, era
Veridiana, uma bela mulher de quarenta anos. Estava ansiosa, mal dormira á noite, iria
voar pela primeira vez. Tremia só em pensar. Será que o medo a impediria de subir
no avião? O que a trouxera até ali foi o amor que sentia por Samuel, ele a esperava no
fim da linha; tinha que ir ou ele pensaria que ela desistira de tudo.
Nos últimos dez anos a mulher se dedicara ao trabalho e á criação do casal de gêmeos,
que agora eram adolescentes. Artur, seu marido, a abandonara para tentar a sorte no Tio
Sam e raramente mandava notícias. Era uma mulher divorciada, solitária e conformada.
Mas, um dia conheceu Samuel, ele foi ao escritório em que ela trabalhava e seus olhares
cruzaram de um jeito especial; foi amor a primeira vista. Ele voltou outras vezes, até se
declarar. A vida parecia mais bonita e tudo mudou para ela, queria ser feliz.
Desde aquele dia, Veridiana percebeu sua carência por um afeto masculino; estava
apaixonada novamente. Ele era gerente de um Banco muito conhecido e depois de alguns meses
o rapaz foi transferido para Juiz de Fora; ficou nervoso, queria levar a namorada com ele.
Samuel mudou-se há um mês e a convidou para conhecer seu novo apartamento, onde ele
queria que ela fosse morar. Também era separado e faria tudo para não sofrer novamente.
A moça planejava ficar com ele e os filhos, que estavam com a avó; precisava agir com
calma.
Seiscentos quilômetros os separavam e o jeito mais rápido de encontrar seu amor era o
avião, por isso estava ali, no aeroporto de Viracopos. Na verdade estava com muito medo,
mas, decidida a ir em frente. Seu vôo teria duas conexões, era o único que iria até
seu destino, a cidade mineira.
Passou pelo chek in e sua bagagem foi levada pela esteira, agora não poderia desistir.
Adentrou á sala de espera e viu muita gente esperando a chamada para o embarque. No
salão bem iluminado estavam homens, mulheres, crianças, jovens e velhos de diversos
lugares e raças diferentes; todos atentos e agindo naturalmente. Veridiana procurou um
lugar perto de duas mulheres que conversavam banalidades sobre crianças e seu coração
foi se acalmando. A moça sentou-se e fez uma oração aos anjos prometendo a si mesma que
faria uma viagem feliz.
Alguns aviões subiram e quando chamaram seu vôo ela deu um salto e seguiu os passageiros
que se dirigiam ao micro ônibus que estacionara em frente á saída. Entrou e ficou entre
aquelas pessoas se deixando levar. Uma aeromoça sorridente a cumprimentou indicando o
caminho. Ao seu lado sentou um Japonês com cara de poucos amigos; certamente voariam
calados, pensou a mulher.
O avião parecia um peixe, comprido e fino; estava lotado. Eram duas aeromoças muito
bonitas; a comissária deu as boas vindas aos passageiros que estavam á bordo da
aeronave. Veridiana pensou que não queria ser mãe de aeromoça ou mulher de piloto,
pois, certamente viveria aflita e com o coração nas mãos.
A mulher ouvia as instruções que o comandante dava pelo microfone antes de levantar
vôo, mas, lá no fundo estava decepcionada. Pensava que avião era um lugar luxuoso, para
gente chik e artistas de cinema. Aquele parecia um ônibus comum, com gente
comum se preparando para voar; era tudo muito apertado. Onde estaria a magia e o
encantamento que sempre imaginou? A aviação perdeu o glamour de Hollywood e
passou a ser transporte do povão. A mulher tirava suas conclusões quando o comandante
avisou que iriam decolar.
A aeronave começou a andar lenta, seguia devagar e de repente, vum, subiu rapidamente.
Parecia um coletivo interestadual voando, Veridiana esticou o pescoço para olhar as
construções diminuírem de tamanho até desaparecer. Sentiu um frio na espinha, era
assustador. O japonês recostou na janela impedindo a visão da mulher e logo vieram as
aeromoças com os comes e bebes para distrair os ocupantes do aerobus. Mal acabaram de
comer e o comandante avisava da chegada á Curitiba.
O tempo estava nublado e a temperatura três graus a menos que Campinas; foram levados ao
aeroporto. Depois de uma hora fizeram a chamada para o embarque em outro avião, que os
levaria ao Rio de Janeiro. A mulher estava surpresa por não sentir medo, a situação
parecia natural; vivia um sonho estranho e real.
O avião era maior e não poderia ser comparado á um peixe como o primeiro, era mais
espaçoso, parecia um ônibus de turismo ou um Tubarão jovem. O comandante avisou que
estavam atrasados e por isso voaria em uma velocidade maior. Rapidamente chegaram á
região de Angra dos Reis e foram orientados á olhar para ver suas belezas naturais.
Havia um barulho nos ouvidos da moça, que os cobriu com as mãos; o japonês quebrou o
silêncio dizendo que era a velocidade e altitude que provocavam aquela sensação de
subida de Serra. Chegaram ao Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, num vôo
perfeito.
Veridiana pensava na situação que se encontrava, passageira de primeira viagem, e chegou
á conclusão de que voar é rápido e perigoso, pois aquilo parecia uma panela de
pressão. Ali estavam os passageiros e Deus, nada mais importava, não havia saída. Mas,
tinha que admitir ser muito bom ser conduzida ás alturas, como os pássaros, planando no
ar.
Lembrou da Guerra nas Estrelas, filme que seus pais assistiam quando era pequena.
Rapidamente foram orientados á subir em uma Perua e seguir até o outro avião que já
estava esperando os passageiros. Veridiana apenas seguia e obedecia aos comandos, parecia
um robô, mas quando olhou pela janela do pequeno avião, este era o menor de todos, viu
que uma turbina estava preta e comentou com o vizinho de banco, agora um jovem cabeludo.
Parece que já pegou fogo. O rapaz fez que sim com a cabeça e enfrentaram outra
subida.
O vôo fora estimado em trinta minutos e ficaram admirando a paisagem do Grande Rio;
lugares lindos, belezas naturais a encher os olhos. Enquanto eram servidos os lanches
foram para cima das nuvens. A moça olhou pela janela e viu um grande piso de algodão
branquinho e fofo; havia muita paz e tranqüilidade na paisagem. Só pode ser Deus
aqui presente, pensou a mulher. Naquele momento ela sentiu que a vida é concessão divina
e a fragilidade humana não é compatível com a soberba e arrogância dos terrestres. Uma
energia superior pairava naquela imensidão de algodão e os passageiros do aerobus apenas
observavam calados. Coisas de Deus estavam naquela paisagem linda, inclusive a permissão
para seres humanos contemplar aquilo tudo. Veridiana ficara inerte e embevecida com aquele
momento mágico, devia isto á Samuel, pois, foi seu amor que a fez subir na aeronave.
Estava viva e feliz voando por esse mundão azul; a violência está em terra, no alto
reina a paz e o silêncio; Veridiana parecia hipnotizada. Voltou a si com a turbulência
que ocorreu quando a aeronave baixou das nuvens. Foi anunciada a chegada á Juiz de Fora e
a moça agradeceu aos anjos aquela oportunidade. Seu coração disparou e a ansiedade
aumentou, iria reencontrar Samuel, o homem de sua vida. O avião pousou e quando ela
desceu, ele estava acenando na porta de acesso do desembarque. A distância era pequena e
Veridiana caiu nos braços do seu amor com muitos beijos e abraços. Seguiram abraçados e
ela disse ter feito uma boa viagem, mas, o que ele não sabia é que agora ela era uma
nova mulher; mais espiritualizada.
Uma pessoa mais ciente da presença de Deus e da magia que envolve a vida. Aquele foi um
vôo para descobertas interiores que mudaram sua maneira de pensar, porém, naquele
momento ela trazia o coração transbordando de amor e só queria ser feliz.
Depois pensaria com calma naquela visão do paraíso. Uma coisa ficou definida, toda vez
que alguém falasse a palavra Céu ela pensaria naquele piso de algodão tendo a certeza
que Deus existe e reina sobre tudo, com muito amor.
E-mail: eva.ibrahim@yahoo.com.br
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