Espelhos
Gilciene Santos
Era um lugar escuro, com cheiro de mofo e rachaduras na parede. De repente viu que uma
daquelas rachaduras revelavam um lugar diferente, e neste momento, foi arremetida por uma
incessante vontade de fugir para lá.
Os pensamentos passaram, fluíram, não conseguiu contê-los. Começou a vagar por um novo
caminho. Um lugar lúdico, colorido, alegre, com cheiro de incenso de cravo e sabor de
torta de limão. Continuou andando e percebeu que algo muito estranho estava acontecendo.
Em toda parte havia sua imagem refletida, era como se estivesse em uma cidade de espelhos
que mostravam algo mais que sua face. Estranhou mas não teve medo, era uma mistura de
nostalgia, com ansiedade e curiosidade.
Por alguns instantes sentiu-se aliviada, não por vaidade no sentido pejorativo da
palavra, é que de alguma forma percebeu algo novo em seu reflexo. Ao fitar os espelhos
viu que muita coisa havia mudado. Então, colocou-se a olhar minuciosamente todos os seus
traços... Estava abatida, os olhos estavam inchados do choro que não conseguia
controlar, um olhar vazio, sem brilho e com algumas rugas precoces; o corpo estava esguio
e parecia carregar um grande peso.
Foi então que uma forte angústia lhe invadiu, uma mistura de sentimentos intensos e
extremos. Sentiu que suas forças tinham chegado ao fim, acreditava que nunca mais
voltaria a si mesma. Foi então que o inesperado ocorreu.
Olhou para si de forma mais profunda, viu que estava viva e que ainda gozava da mesma
beleza, apesar das cicatrizes. Todo seu medo aos poucos foi se transformando em força e
sua dor em esperança. Compreendeu que neste novo lugar tudo era possível, que se podia
ser quem quisesse, e aos poucos sua imagem começou a se transformar.
Seu rosto recuperou a jovialidade, o vigor, o sorriso. Emergiram de seu intimo várias
cores, todas as cores que lhe formaram e que foram apagadas com o tempo. Tudo dependia
apenas de suas escolhas. Não entendia o que estava acontecendo e de onde vinha todo
aquele entusiasmo. Fechou os olhos por alguns instantes e olhou novamente para o espelho.
Um dia, como um espelho quebrado, ela havia se partido para se doar a alguém, acreditava
que seria feliz, em vão... Pura insensatez, compreendeu que a dualidade é una em si,
apenas. E o seu mundo foi se mesclando com mais cores, mais sorrisos, mais metáforas,
mais formas, mais hipérboles, mais...
Olhou-se no espelho e tirou todos os trapos, farrapos, pedaços... o que sobrou era
único, belo, real. Naquele dia constatou que a sua verdade nunca deveria ser esquecida,
contestada, subestimada, e que sempre é hora de se olhar no espelho e se despir. Mas,
alguns ainda preferem esconder os seus espelhos.
E-mail: gilcienesantos@yahoo.com.br
|