Drama tropical
(Para o de si personagem Nélson)
Luigi Augusto de Oliveira
Bate se for homem!
Ele já quase esperava: é uma frase universal delas, pensou. A atmosfera do quarto
dele, apartamento dele uma gelatina: a tensão evaporava das carnes e deslizava
pelas paredes.
O desafio emudecera tudo; mas isso apenas fazia destacar ainda mais a expressão
envilecida do semblante da moça. Alta a fronte, como a de um fanático que se crê
senhorio da verdade e da incorruptibilidade, perfeita a imobilidade de estátua de santa
e contudo as narinas parecendo, embora com delicadeza, a ponto de pôr fogo
fazia ela exatamente o que de mais primal e óbvio o instinto lhe ordenara: irritava-o
até os mais radicais limites, que testava e rompia um a um. Em tudo isso não pôde ele,
bem vivido, histórias às dezenas nas ainda rasas rugas dos quarenta, deixar de pensar,
embora o relampejar de tudo não lhe demorasse na memória dez segundos; estava porém
frio, tinha que reconhecer, apesar de intensamente desejar-se àquela hora um Otelo. E fez
então também o óbvio: sentou-lhe a mão na cara.
Ela desabou na cama, não por susto ou pela força do golpe, mas exatamente porque, como
um gatilho, vinha-o esperando; ainda assim foi a reação inteiramente sincera:
Cachorro!
Nele um sorriso, logo engolido, ameaçara subir à superfície; não pudera deixar de
imaginar latindo-se ternamente para ela: ao vê-la ali atirada, inevitável lembrar-se das
vezes em que chamava-lhe ela "seu cachorrinho" e prosseguiam, a cadelinha a
balançar os cabelos. Mas já agora saltara da cama a mocinha, e mais uma vez fez-se o
óbvio: ao telefone, discou o número do irmão
Ele me bateu!
Mais patético seria difícil, o ar de Joana D'arc aguardando reforços e, a um tempo, de
expectativa da menininha sapeca que contou para o pai as brincadeirinhas sujas do primo ou
do irmão, só para vê-lo apanhar. Apanhar por ela, afinal. Haviam-se sentado, ela à
mesinha do telefone, no canto, ele que remédio! pesadamente na cama, já de
antecipado aborrecido com a espera. Dali a pouco puxaria de sob o colchão um jornal
antigo, umas revistas eróticas ainda mais.
Mas não demorou mais que vinte minutos, que maravilha o trânsito àquela hora, ele
pensou. Ouviu o interfone, foi erguendo-se lento boi a caminho do matadouro. Porém já
ela muda ao interfone abrira o portão, de um salto. Voltaram a sentar-se, joguetes do
inescrutável. Três ou quatro minutos e ouviam a campainha, pôs-se ele de pé,
espreguiçou-se (não conseguiu conter), deu dois passos, parou, pensou e
espantou-se. Campainha?! Mas já de novo a ouviam, premente.
Atravessou a sala à frente, tirou o ladrão do trinco, estacou por um segundo, pensativo
ainda, abriu a porta lenta. O outro já o sabia, necessário porém constatar
sempre era mais alto. Recuou um passo, a porta a meio. No entanto o outro apenas
enfiou o carão, bufou:
Vamos descer lá na rua, acertar as contas, nós dois.
Ouviu e quase indignou-se. O outro, só o carão metido na porta da qual tocara a
campainha!, espantou-se de novo esperava, olhos ferozes e melancólicos. Mas,
descer? Do oitavo andar, até a rua?! O grande irmão esperava. Mas ora! por
que o sujeito não fizera meter logo o pé na porta e arrebentar-lhe as fuças? Mais dois
segundos, tempo suficiente para que tudo lhe repassasse pela tela tosca e tarimbada da
mente, e não teve mais dúvidas, mirou o foco nos olhos do bom irmão:
Escuta aqui: podemos brigar, ou podemos ir tomar cerveja.
Pôde perceber, no tipo de espanto que leu no olhar do outro, a surpresa doce de uma
virgem que já previamente sabe que admitirá a ousadia.
E-Mail: luigioliveira@yahoo.com
|