A cadeira quebrada
Priscila Zambotto
Sinto as pernas cansadas, um vazio de alma, de corpo, de vida. Tudo é solidão.
Silêncio. Espera. Dentro do quarto em que me encontro só restam lembranças. Cercada por
quatro paredes, olho ao meu redor e vejo tudo parado, imóvel. Sinto saudade das festas
cintilantes, dos almoços coloridos aos domingos, dos jantares íntimos e sussurrantes, da
mancha de vinho que nunca saiu, do perfume das flores inundando e envolvendo o ar, da
música do velho piano que hoje nem existe mais. As crianças que brincavam de se esconder
sob a mesa cresceram; muitos anos se passaram. Tudo que era eterno acabou. Sinto falta das
tardes ensolaradas passadas no jardim. O gato dormindo seu sono quente e macio; tão
quente e tão macio como o branco e longo pelo que cobria seu corpo repousado sob o sol.
Agora, impotente, só me resta uma inevitável introspecção causada pelo isolamento
claustrofóbico de um quarto escuro que há muito aprisiona objetos, lembranças, cheiros
e esperanças. O ar viciado sufoca, imobiliza, anestesia como gás paralisante.
Incomunicável e encarcerada na minha própria existência, espero por alguém que perceba
a minha angústia, que olhe para mim e me dê valor.
Silêncio. A noite é escura e fria. Em minha inerte permanência continuo a esperar. A
tristeza e o tédio me consomem, já não suporto mais tanto desprezo. Mas não tenho
mágoa, apenas gostaria de poder ajudar, ser útil a alguém. Deve haver algo que eu ainda
possa fazer.
Agora ouço vozes na sala: o silêncio se desfaz. Ouço passos. Entra alguém. É ele.
Olha para mim com ternura enquanto caminha incerto em minha direção. Permanece ao meu
lado por alguns instantes a me observar calado, como se lembranças do passado subitamente
invadissem sua mente.
A noite está realmente fria. Ele me pega nos braços e me carrega em direção à sala.
As vozes vão se tornando mais altas e nítidas à medida em que vamos nos aproximando. Um
sopro de esperança e alegria invade meu coração: não me esqueceram!
Na sala, sou jogada à lareira e o fogo é aceso.
E-mail: prizambotto@yahoo.com.br
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