O Amor, O Ódio e O Processo
Thiago Pimentel
Eu ainda posso vê-la. Toda encolhida à minha frente, como uma criança insegura. Então
eu fito seus olhos, pequenos, e me vejo perdido em meio à imensidão azul que brilha em
lágrimas, que são reflexo daquilo que, sendo incompreendido, escorre até o sorriso,
tradução máxima do amor, para o qual não há razão nem entendimento.
Repouso uma de minhas mãos nos seus cabelos, curtos e muito finos, que agora deslizam por
entre os meus dedos. E também aproximo o meu rosto do seu, face rosada e macia, que de
tão suave e sensível, faz que por um momento eu pare de respirar e me perca no perfume
que é suor e lágrimas e desejo.
Fecho os olhos para enxergar a pureza do seu coração, e com a minha outra mão ensaio
carícias que me saem trêmulas e me fazem perceber que a leveza de um ato assim pode
estar um pouco além do que é tangível, e transcende ao nível do que só se toca com os
dedos da alma.
Meus sentimentos todos se misturam em um êxtase alucinante e meu coração pára. Pois
que sinto seus lábios tocarem os meus...
Já não a posso mais ver. Quem está de pé à minha frente, como uma fera insana, não
possui os mesmos olhos pequeninos. Quem eu vejo está perdido em rancor e mágoa, em meio
a uma profusão de palavras desconexas e sem brilho, que são reflexo daquilo que, de
forma incompreendida, transborda pela boca e se traduz em ódio, sob o qual não há
aceitação nem sorrisos.
Sinto de longe estremecerem todas as partes do seu corpo, alvo e muito frio, que outrora
se aninhou entre os meus braços. E então afasto meu olhar de sua face avermelhada e
áspera, que de tão grave e terrível, faz com que por um momento eu pare de lhe desejar
e me encontre no sofrimento que é dor e lágrimas e desespero.
Fecho os olhos para não ver a tristeza em seu coração, e de mãos atadas ensaio
palavras que ressoam alquebradas e me fazem descobrir que o limite entre o amor e o ódio
é uma linha tênue, e sobrevive latente ou se rompe em fúria do fundo da alma.
Meus sentimentos todos se atropelam em uma confusão esmagadora; meu coração parara há
um bom tempo. Foi quando a vi desaparecer pela última vez.
Uma porta que se fecha, uma janela que se abre a alumiar minha amarga e doce conclusão.
Sobre as palavras que não puderam ser ditas, das cartas não escritas, aos contos de fada
sussurrados na cama ao pé do ouvido... O que mais seria a vida além de um longo e finito
processo de amar e ser amado, perder a pessoa amada e se deparar angustiado? Para então
se redimir da tristeza e, amando a si próprio, caminhar por entre os brotos que logo
serão lindas flores, pois o inverno termina sempre que a primavera chega.
E-mail: tatah1984@hotmail.com
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