Paulo Mendes Campos
A meu av?Cesário devo este horror pelos cães, o pescoço musculoso, o riso acima de
minhas posses, o pressentimento de uma velhice turbulenta
(...) A minha av?Margarida, a maneira leve de pisar e fechar portas.
A Minas Gerais, a minha sede, o jeito oblíquo e contraditório, os movimentos de bondade
(todos), o hábito de andanças pela noite escura (da alma, naturalmente), a
procrastinação interminável, como um negócio de cavalos ?porta de uma venda."
("Meditações
Imaginárias")

Paulo Mendes Campos nasceu a 28 de fevereiro de 1922, em Belo Horizonte -
MG, filho do médico e escritor Mário Mendes Campos e de D. Maria Jos?de Lima
Campos. Começou seus estudos na capital mineira, prosseguiu em Cachoeira do Campo
(onde o padre professor de Português lhe vaticinou: "Voc?ainda ser?
escritor") e terminou em São João del Rei.
Começou os estudos de Odontologia,
Veterinária e Direito, não chegando a complet?los. Seu sonho de ser aviador
também não se concretizou. Diploma mesmo, gostava de brincar, s?teve o de
datilógrafo. Muito moço ainda, ingressou na vida literária, como integrante da
geração mineira a que pertence Fernando Sabino e pertenceram os j?falecidos Otto Lara
Resende, Hélio Pellegrino, João Ettiene Filho e Murilo Rubião. Em Belo Horizonte,
dirigiu o suplemento literário da Folha de Minas e trabalhou na empresa de
construção civil de um tio.
Veio ao Rio de Janeiro, em 1945, para
conhecer o poeta Pablo Neruda, e por aqui ficou. No Rio j?se encontravam seus melhores
amigos de Minas Sabino, Otto, e Hélio Pellegrino. Passou a colaborar em O
Jornal, Correio da Manh?/i> (de que foi redator durante dois anos e meio) e Diário
Carioca. Neste último, assinava a "Semana Literária" e, depois, a
crônica diária "Primeiro Plano". Foi, durante muitos anos, um dos três
cronistas efetivos da revista Manchete.
Admitido no IPASE, em 1947, como fiscal
de obras, passou a redator daquele órgão e chegou a ser diretor da Divisão de Obras
Raras da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.
Em 1951 lança seu primeiro livro,
"A palavra escrita" (poemas).
Casou-se, nesse mesmo ano, com Joan, de
descendência inglesa, tendo tido dois filhos: Gabriela e Daniel.
Buscando meios de sustentar a família, Paulo
Mendes Campos foi repórter e, algumas vezes, redator de publicidade
Foi, também, hábil tradutor de poesia e
prosa inglesa e francesa entre outros Júlio Verne, Oscar Wilde, John Ruskin,
Shakespeare, além de Neruda, tendo enriquecido sua experiência humana em viagens ?
Europa e ?Ásia.
Em 1962, experimentou ácido lisérgico,
acompanhado por um médico. Relatou sua experiência em artigos publicados na
revista "Manchete", depois reproduzidas em "O colunista do morro" e em
"Trinca de copas", seu último livro. Disse que a droga abriu
"comportas" e ele se deixou invadir pelo "jorro caótico"do
inconsciente at?sentir o peso e a nitidez das palavras que produziam um "milagre da
voz". E completava: "A comparação não presta, mas por um momento eu era
uma espécie de São Francisco de Assis falando com o lobo. O lobo também sabe que
amor com amor se paga".
Em 1967, em seu livro "Hora do
Recreio", escreveu:
Autobiografia
1922 - Semana de Arte Moderna, revolta do Forte de Copacabana, morte do Papa, o rei
entrega o poder a Mussolini. Nada tenho com tudo isso: simplesmente nasço.
1923 - Morre o Rui, Stalin assume a chefia do poder soviético, putch de Hitler em Munique. Eu nada disse, nada
me foi perguntado.
1924 - Revolução em São Paulo, estado de sítio. Dou para quebrar minhas mamadeiras,
após o ato de esvazi?las. O califado turco entra pelo cano.
1925 - Começo a ver o diabo dançando em torno de meu berço;e gosto.
1928 - Carmona, presidente de Portugal; Hiro-Hito, imperador do Japão. Ganho um par de
botinas e durmo abraçado a elas.
1927 - Com o nome de Charles Lindbergh, atravesso o Atlântico pilotando o Spirit of Saint Louis.
1928 - Antônio de Oliveira Salazar torna-se precocemente ministro das finanças
portuguesas; perco na Rua Tupis uma prata de dois mil-réis.
1929 - Craque na bolsa de Nova Iorque. Pulo do bonde em movimento na rua da Bahia,
esborracho-me no chão, um Ford último modelo consegue parar em cima de mim, e quase não
fico para contar a história.
1930 - Revolução: mesmo com fratura dupla no braço, dou o melhor de mim ao lado das
tropas rebeldes e, logo após, ao lado das tropas legalistas. Na caixa d'água da Serra
leio 0 Barão de Münchausen.
1931 - A Inglaterra deixa o padrão ouro, Afonso XIII deixa o trono espanhol. Eu, Robinson
Cruso? naufrago no Pacífico, chego a uma ilha cheia de ilustrações coloridas e me
torno amigo de Sexta-Feira.
1932 - Revolução de São Paulo. Luto na Mantiqueira, tremendo de frio e de coragem; não
tenho muita certeza se morro ou não.
1933 - Morre dentro da banheira o Presidente Olegário Maciel. O Padre Coqueiro vem dizer
que as aulas estão suspensas por motivo de luto nacional. Viva Olegário Maciel! Fujo da
casa paterna, materna, fraterna, mochila nas costas, em busca dos índios de Mato Grosso;
regresso ao atingir as terras da Mutuca, hoje subúrbio de Belo Horizonte.
1934 - Hitler ?Führer do Reich; eu não sei se sou Winetou ou Mão de Ferro.
1935 - Mussolini ataca a Abissínia; ataco e defendo no time da divisão dos médios como
centro-médio.
1936 - Morre George V, viva Eduardo VIII, que renuncia, sobe ao trono George VI. Ganho com
alegria o bilhete azul do colégio.
1937 - O golpe do Estado Novo me pega de surpresa, quando subo as escadas da capela do
outro colégio para a benção do Santíssimo e uma prática chatíssima de Frei Mário.
1938 - Os japoneses tomam Cantão; no Hotel Espanhol, São João del-Rei, os bacharelandos
do Ginásio de Santo Antônio tomam vinho Gatão e recitam um ditirambo de Medeiros de
Albuquerque (estava no florilégio do compêndio): "Bebe! e se ao cabo da noite
escura, / Hora de crimes torpes, medonhos, / Varrer-te acaso da mente os sonhos, / Cerra
os ouvidos ?voz do povo! / Ergue teu cálice, bebe de novo!" Foi o que fizemos.
1939 - Começo a guerra.
1940 - Caio com a França.
1941 - Não sou mais eu: 1) sou como o rei de um país chuvoso; 2) sou uma nuvem de
calças; 3) sou 350; 4) sou triste e impenetrável como um cisne de feltro. E assim por
diante.
1942 - Atingido pelo mal do século (XVIII), mato-me no Parque Municipal. Meu nome ?
Werther.
1943 - Venço a batalha de Stalingrado.
1944 - Maquis.
1945 - Tomo o noturno mineiro e me mudo para o Rio, acabo com a ditadura.
1946
- 1955 Yo era un tonto.
1956 - 1960 - Lo que h?visto me ha hecho dos tontos.
1961 -
Subo no espaço sideral, dou uma volta em torno da Terra na primeira nave cósmica
tripulada por um ser humano. Depois desço no Bico de Lacre, bar dos mentirosos e
sonhadores, e digo: "O Mundo ?azul.
(Publicado no livro Hora do Recreio, Editora Sabi?1967, pág. 07, relançado em 1976 com o título de Rir
?o Único Jeito (Supermercado),
Editora Tecnoprint S.A. Rio de Janeiro, pág. 11).
Cético, sem perder a ternura, jamais fez concessões e tinha
horror ?vulgaridade, fosse ela temática ou vernacular. A perplexidade humana ?
devassada em sua poesia; sua prosa ?penetrante, algumas vezes cheia de bom humor.
Paulo Mendes Campos faleceu
na cidade do Rio de Janeiro no dia 1?de julho de 1991, aos 69 anos de idade.
Em 1999 foi homenageado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro: tem seu nome uma
pequena praça que fica no cruzamento das ruas Dias Ferreira, Humberto de Campos e General
Venâncio Flores, no Leblon.
Um de seus livros, publicado pela Editora
do Autor, teve esta apresentação, que bem define o escritor:
"Homem em quem o gosto das
leituras requintadas e as orgias silenciosas do pensamento não estragaram ao prazer e a
emoção dos encontros com o povo e com a vida de todo dia, Paulo Mendes Campos
faz, na leveza de suas crônicas, páginas que vencem o efêmero pela sua qualidade
literária e pela sua autêntica vibração humana".
Bibliografia:
A Palavra Escrita, poesia, Ed. Hipocampo
- Rio de Janeiro, 1951
Forma e Expressão do Soneto, antologia, 1952
Testamento do Brasil, poesia, 1956
O Domingo Azul do Mar, poemas, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1958
Páginas de Humor e Humorismo, antologia, ampliada e reeditada em 1965 sob o
título Antologia Brasileira de Humorismo.
O Cego de Ipanema, crônicas, Ed. do Autor - Rio de Janeiro, 1960
Homenzinho na Ventania, crônicas, Ed.do Autor - Rio de Janeiro, 1962
O Colunista do Morro, crônicas, Ed. do Autor - Rio de Janeiro, 1965
Testamento do Brasil e Domingo Azul do Mar (poemas - edição conjunta), Ed.
do Autor - Rio de Janeiro, 1966
Hora do Recreio, crônicas, Editora Sabi? Rio de Janeiro, 1967
O Anjo Bêbado, crônicas, Ed. Sabi?- Rio de Janeiro, 1969
Trinca de Copas, 1984
Rir ?o Único Jeito (Supermercado), Ed. Ediouro - Rio de Janeiro. (Reedição de Hora
do Recreio, com novo título - livro de bolso).
O Amor Acaba - Crônicas Líricas e Existenciais - Ed.
Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1999.
Cisne de Feltro - Crônicas Autobiográficas - Ed. Civilização Brasileira, Rio de
Janeiro, 2000.
Alhos e Bugalhos - Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2000.
Brasil brasileiro Crônicas do país, das cidades e do povo - Ed.
Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2000.
Murais de Vinícius e outros perfis - Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,
2000.
O gol ?necessário ?Crônicas esportivas - Ed. Civilização Brasileira, Rio
de Janeiro, 2000.
Artigo indefinido - Ed. Civilização Brasileira, Rio
de Janeiro, 2000.
De um caderno cinzento Apanhadas no chão - Ed. Civilização Brasileira, Rio de
Janeiro, 2000.
Bal?do pato e outras crônicas - Editora Ática - S. Paulo, 2003.
A volta ao mundo em 80 dias - Tradução e adaptação do livro de Julio
Verne, Ediouro, 2004.
Quatro histórias de ladrão - Editora Agir, Rio de Janeiro, 2005.
Material obtido em livros do autor.
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